quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Cronicamente Insustentável ou “O importante é manter o sorriso”

Há alguns anos atrás, provavelmente em 2010, Paloma me deu de presente uma caixa de filmes de Sergio Bianchi, produzida pela Versátil Home Vídeo. Na época, assisti alguns dos filmes, mas a dinâmica da vida impediu que visse todos. Assim como ocorre com muitos livros que compro, os filmes de Bianchi ficaram aguardando o momento de se exibirem para mim.

Agora, estudioso do Cinema desde outubro de 2012, aproveitei alguns dias de solidão em casa para mergulhar na obra de Bianchi inclusa nessa caixa de filmes. São cinco longas, dois curtas e um média-metragem que foram realizados entre 1972, data de seu curta Omnibus, realizado quando estudante da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e 2005, data de lançamento do Quanto Vale ou é por Quilo?.

Bianchi é natural de Ponta Grossa, no Paraná, e estudou cinema em Curitiba e em São Paulo, onde se formou na ECA/USP. Depois de 2005, Bianchi realizou Os Inquilinos em 2009 e Jogo das Decapitações em 2013.

O programa completo durou cinco dias, mas não seguiu a ordem cronológica de realização dos filmes. No dia 12, comecei com Quanto vale ou é por quilo?, de 2005, em que Sergio Bianchi fez “uma adaptação livre do conto Pai contra Mãe, de Machado de Assis, ..., um painel de duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo, semelhantes na manutenção da perversa dinâmica socioeconômica brasileira”[1].

No dia seguinte, foi a vez de Romance, de 1988, que trata da “morte inesperada de Antônio César, um intelectual da esquerda que escrevia um livro no qual denunciava um escândalo internacional que envolvia autoridades políticas”. Essa trama acaba trazendo repercussões para a vida de três personagens do filme: a companheira de Antônio César, uma jornalista que buscava os originais do livro que haviam desaparecido e um amigo homossexual do intelectual. Além do longa, no DVD estão disponíveis o média-metragem Mato Eles? (documentário sobre tribos indígenas do Paraná, feito em 1982, e o curta Divina Previdência, de 1983. Os dois filmes fecharam minha  programação do dia 13.

Dia 14 foi dia de folga!

Mas, no dia 15, foram mais dois filmes: Cronicamente Inviável de 2000 e A Causa Secreta de 1994. O primeiro, “tendo como pano de fundo a vida de seis personagens ligados a um restaurante num bairro rico de São Paulo, ..., mostra a árdua tarefa de sobreviver física e mentalmente em meio ao caos da sociedade brasileira”. Aliás, quanto a este filme, Bianchi, em depoimento presente como extra no DVD, comenta que sua intenção não foi abordar a inviabilidade do Brasil, mas sim tratar da inviabilidade de forma geral. Seu comentário se deve, segundo o próprio Bianchi, ao grande número de comentários que surgiram à época do lançamento do filme, associando-o a uma crítica ao Brasil. A Causa Secreta é mais uma adaptação livre do conto de Machado de Assis e mostra a preparação de uma nova peça de teatro por um grupo de atores que faz pesquisa sobre a dor na sociedade. “Nas filas dos hospitais e nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos marginalizados”. Em depoimento Bianchi comenta sobre a questão da falta de solidariedade como um tema presente nesse filme que, em minha opinião, o aproxima muito de Cronicamente Inviável.

Por fim, hoje, dia 16, concluo a imersão na obra de Sergio Bianchi com mais um longa e dois curtas, do começo da carreira do cineasta. Maldita Coincidência, de 1979, é um filme construído sem roteiro e de forma artesanal. Foi o primeiro longa realizado por Sergio Bianchi. “Não há aqui uma história, mas sim uma situação: um casarão abandonado no centro de São Paulo, cercado de lixo e ocupado pelos tipos mais estranhos. A partir daí, em esquetes, várias cenas da vida de cada um. Esses personagens representam diferentes facetas da sociedade brasileira do final dos anos 70”. No mesmo DVD, dois curtas do começo da carreira de Bianchi: Omnibus (1972) e A Segunda Besta (1970). O primeiro curta, trabalho realizado para a Escola de Comunicação e Artes da USP é um digno exemplar do cinema-poesia. O segundo é uma adaptação de conto de Júlio Cortázar, visualmente muito bonito, todo em preto e branco. Nesse curta, aparece, creio que pela primeira vez, algo que vai ser uma presença constante nos filmes de Bianchi: o nú masculino.

Os três filmes dos primeiros momentos da carreira de Bianchi são testemunho e, de certa forma, prenunciavam a forma de fazer cinema que caracterizaria sua obra ao longo dos anos. Uma estética cuidadosa, onde não há espaço para o cinema apenas como entretenimento, mas sim, o cinema como uma forma de arte que sendo poética, é, ao mesmo tempo, capaz de provocar nos espectadores muita reflexão.

Sem compromisso com a apresentação de soluções, já que não é este o papel da arte, os filmes de Bianchi que assisti nesses dias formam um conjunto coeso e altamente orgânico onde o prazer visual se junta a um desconforto racional (ou ético?), provocando o espectador sobre questões relevantes que não são apenas brasileiras, mas da humanidade como um todo.

De certa forma, os filmes de Bianchi são consistentes com o exposto em Dialética do Espectador, de Tomás Gutiérrez Alea, para quem a relação espetáculo-espectador é de natureza dialética, contrapondo razão e emoção, levando “a um enriquecimento espiritual do espectador e um maior conhecimento da realidade, a partir de uma experiência – uma vivência – estética” (p. 87), mas também estimulando uma visão crítica e novo posicionamento deste em face da realidade que o envolve.

Fade out! Flashback para meados de 2012:

Na Universidade Federal do Paraná, entre junho e julho de 2012, participo de concurso para Professor Titular do Departamento de Administração Geral e Aplicada do Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Sou bem sucedido no concurso e começo mais uma etapa de minha carreira acadêmica, como Professor Titular de Inovação e Sustentabilidade.

Na tese que escrevi para o concurso, discorro sobre a centralidade da inovação e da sustentabilidade para a administração das organizações contemporâneas. Apesar de ao longo da carreira acadêmica ter abordado em leituras ou escritos próprios a questão da sustentabilidade sob o ponto de vista da Administração enquanto campo de conhecimento, essa tese foi meu primeiro esforço mais sistematizado para tratar da questão.

Minha abordagem da sustentabilidade na tese pode ser resumida como uma visão quase que desconfiada, beirando a descrença, apesar de alguns discursos quase messiânicos que se encontram na literatura sobre o tema. Meu principal argumento para este olhar, que não é cínico, mas talvez incrédulo, baseia-se, entre outras coisas, na seguinte ideia que reproduzo do texto original de minha tese:

“Deve-se esclarecer que não se questiona a validade normativa dos preceitos defendidos pelos estudiosos da sustentabilidade. O ponto em questão é que os limites de sua aplicabilidade devem ser reconhecidos em uma sociedade humanocêntrica, por um lado, e egocêntrica por outro. Portanto, a defesa que se faz da necessidade de abordar a sustentabilidade como aspecto integrante de teorias intermediárias de explicação no âmbito da gestão das organizações está associada à compreensão de que as organizações encontram-se inseridas em um sistema maior, de cunho capitalista, que reproduz em seus subsistemas características que lhe são determinantes, em especial, no caso das organizações de mercado, a busca pelo lucro e a competição. Esse sistema permite, à sua margem, a existência de organizações não predominantemente orientadas pelo lucro e competição, por exemplo, cooperativas e organizações de economia solidária. Mas, essas serão sempre marginais ao sistema, no sentido de representarem parcela ínfima dos resultados sistêmicos.”

Fade out. Dias atuais:

Avançando para a conclusão desse texto, devo confessar que fiquei em dúvida de onde o publicaria. Há algum tempo mantenho dois blogs onde registro livremente meus comentários sobre Administração, Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (www.3es2ps.blogspot.com) e sobre Cinema (www.leiturasemcinema.blogspot.com). 

Ao longo da reflexão que venho fazendo sobre os filmes de Bianchi, vejo que assisti-los me fez constatar que ainda tenho uma tarefa a realizar nesse estágio de minha carreira acadêmica. E essa constatação trouxe, como consequência lógica, a decisão de publicar o post no blog do grupo de pesquisa que foi criado no ano passado.

As leituras iniciais que fiz sobre a discussão da sustentabilidade me demonstraram a existência de dois campos opostos, que citei em minha tese de Professor Titular, a partir de Veiga (2008) que comenta sobre a posição de Ignacy Sachs em seu livro Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável, afirmando que Sachs é quem melhor soube evitar simultaneamente o ambientalismo pueril, que pouco se preocupa com pobreza e desigualdades, e o desenvolvimento anacrônico, que pouco se preocupa com as gerações futuras (VEIGA, 2008, p. 171). Assim, a sustentabilidade fundamenta-se na harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos, sendo que do ponto de vista ecológico e ambiental, é a busca pela preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis, o estabelecimento de limites ao uso de recursos não renováveis, e respeito e consideração para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais, baseando-se no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras (VEIGA, 2008, p. 171).

É nesse contexto, que visualizo uma tarefa por realizar, em um período que se estenderá por oito anos e meio. Nesse tempo, além de continuar o desenvolvimento da abordagem das configurações no estudo do empreendedorismo e da estratégia em pequenas empresas, deverei fazer esforço semelhante sobre a sustentabilidade.

Os filmes de Bianchi não me apontaram soluções, mas reforçaram meu sentimento de que a compreensão dos limites da sustentabilidade como prática de gestão das organizações é condição necessária para uma efetiva transformação da sociedade em que vivemos.

Espero conseguir atrair alguns jovens que estejam com vontade de se debruçar sobre o assunto. Vai ser uma aventura onde se misturarão leituras, filmes e vida nas organizações!

Alguém pode se perguntar: E depois de oito anos e meio?

Aí meu caro, será o começo de uma nova carreira para mim: o Cinema. Aos poucos, vai ganhando prioridade no meu coração!

Mais uma pergunta?

É. Por que o importante é manter o sorriso?

Estava esquecendo! Esta é uma frase dita por um dos personagens de Maldita Coincidência. Pode significar que face ao impossível, deve-se manter o sorriso. Acho que tem alguma coisa a ver com sustentabilidade, não acha?

Referências

Alea, Tomás Gutiérrez Dialética do espectador: seis ensaios do mais luareado cineasta cubano. São Paulo: Summus, 1984. 114p.

VEIGA, J. E. da Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.






[1] A descrições dos filmes foram extraídas da caixa de filmes organizada pela Versátil Home Vídeo.

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